Elas passaram muito tempo escutando gracinhas quando passavam em frente a um canteiro de obras. Agora resolveram entrar neste ambiente que, tradicionalmente, sempre foi reservado ao homem. E hoje a presença feminina no setor da construção civil torna-se cada vez mais comum. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o número de mulheres atuando na área aumentou 65% na última década.
Por Joana Rozowykwiat
Mulheres se qualificam para a construção civil
Apesar de ainda representarem cerca 7,2% do total de trabalhadores em obras, elas se destacam principalmente pela qualidade do serviço que realizam. Mais cuidadosas , as mulheres são, em geral, também mais organizadas e têm uma preocupação em evitar desperdícios.
Além disso, em tempos de escassez de mão de obra qualificada, elas têm investido na capacitação. Se antes atuavam na construção civil apenas como engenheiras, hoje, colocam a mão na massa. Exercem funções como pedreiras, ajudantes, carpinteiras, azuleijistas, eletricistas e encanadoras. Isso pode soar tão estranho, que até o corretor ortográfico do computador não reconhece algumas dessas palavras no feminino.
O avanço tecnológico, que introduziu novas técnicas de produção, ajudou a reduzir parte do trabalho pesado, e findou por incentivar essa presença das mulheres. Mas, ela é, principalmente, reflexo de uma mudança de paradigma. “É um resultado da força e determinação da mulher de buscar espaço no mercado, independentemente de ser um trabalho leve ou pesado. Muitas mulheres hoje são chefes de família e o setor da construção civil se abre para elas”, diz Luís de Queiroz, da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores da Construção e da Madeira (Conticom).
Ele também aponta que políticas de governo estão incentivando essa “invasão feminina”. Um exemplo está no município de São Bernardo do Campo (SP), onde a prefeitura e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres lançaram, no mês passado, o programa Mulheres Construindo Autonomia. O projeto formará 240 mulheres em situação de vulnerabilidade social para atuar na área da construção civil.
“Nosso objetivo era viabilizar a colocação rápida das mulheres no mercado de trabalho. E o setor na construção está em franca expansão”, conta Dulce Xavier, gerente de Política para as Mulheres e Questões de Gênero da prefeitura. “O projeto também rompe com essa ideia de que esse é um nicho masculino. Muitas mulheres já atuam na área. Nem tudo na construção é força física, e hoje muitas máquinas fazem o trabalho mais pesado”, completa.
Dulce conta que a prefeitura temia não conseguir preencher todas as vagas. No final, 480 pessoas se inscreveram e foi preciso fazer uma seleção. Muitas empresas já ofereceram estágio às alunas e se mostraram dispostas a absorver a nova mão de obra.
“Nem tudo é força”
Depois de trabalhar anos em uma farmácia, Lecticia Cordeiro, 45, hoje se orgulha de dizer que é carpinteira. Gostou tanto da nova atividade, que agora pretende se aperfeiçoar e crescer dentro da profissão. Está empregada há um ano e meio, com carteira assinada, e estuda para tornar-se técnica em edificações.
“Na construção tem espaço para todo mundo. Estamos compartilhando com os homens”, diz ela, que foi uma das 210 alunas do projeto Mão na Massa, no Rio de Janeiro, que também forma mulheres para a construção. Sessenta por cento das integrantes do curso – iniciativa do Abrigo Maria Imaculada, do Rio - estão hoje contratadas.
Lecticia estava desempregada quando ouviu falar das aulas. “É uma mudança de paradigma. A princípio o homem se assunta quando chega uma mulher na obra. Cria uma expectativa”, afirma ela, que atualmente trabalha na construção de um hospital.
“Sempre tem quem diga ‘porque não vai trabalhar em casa de família’, ‘mulher minha não viria’, mas nós batemos o pé e quando eles vêem que fazemos o trabalho direito, se acostumam, passam a respeitar. E não nos olham mais como uma mulher, mas como um colega de trabalho”, explica.
Para ela, a mulher leva organização e economia à obra. “Nem tudo é força. Para isto existem os carrinhos, as gruas, os elevadores. Nós desenvolvemos um trabalho usando a lógica. Sempre reaproveitamos o material, usamos a quantidade certa, temos mais cuidado. Sem falar que, quando terminamos o serviço, está tudo limpo e organizado”, define a carpinteira.
Vaidade só aos sábados
O início, contudo, ela conta que não foi fácil. “Começar uma nova profissão com 44 anos não é simples. A minha dúvida era se ia dar conta, porque vim da área administrativa, nunca tinha imaginado estar em um canteiro de obras. Você tem que abrir mão de certas vaidades, sem perder a feminilidade”,
Lecticia conta que, antes, vivia de cabelo escovado e maquiagem. “Imagina, como eu ia viver de escova na obra? No máximo, quando está mais frio, a gente coloca um batom, para não ressecar os lábios. Não pode usar cordão, o brinco tem que ser pequeno, porque tudo atrapalha, pode enganchar. Então eu uso só coisas discretas, que é para não dizer também que eu não estou arrumada. A produção de verdade tem que ficar para o sábado”, brinca.
A Cofix, empresa na qual Lecticia trabalha, tem 4,5% de mulheres em seu quadro funcional. Isso quer dizer que, entre os 1.293 empregados, 59 são do sexo feminino. Mas apenas 26 estão em funções operacionais, não administrativas.
Segundo Alex Baptista, analista de recursos humanos da Cofix, contratar mulheres para atuarem nos canteiros de obras é mais que incluí-las no ramo da construção. “É incentivar a empregabilidade, quebrar preconceitos”. Ele contou que, além de apresentarem um desempenho muito melhor durante as entrevistas, “as mulheres se destacam pela organização, qualidade, atenção aos detalhes e limpeza na execução das tarefas”, conclui.
Em busca de direitos
Maria de Fátima Gonçalves da Rocha, 30 anos, mais conhecida como Pretinha, diz que entrar no canteiro de obras significou, para ela, mais direitos. “No Espírito Santo, tradicionalmente, ou a mulher é doméstica ou costureira. Tem muito emprego nessas áreas, mas com poucos benefícios”, relata ela, que trabalha como ajudante de pedreiro e também fazendo acabamento, a depender da demanda.
“A construção civil abriu as portas para mim. Você pode rodar por todas as funções, com todos os direitos reconhecidos. Tem participação nos lucros, participação de resultado, ganha cesta básica”, completa a ex-feirante, com curso em contabilidade.
Pretinha, que também atua no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Espírito Santo, relata que as mulheres representam 3% dos empregados do setor no estado.
“É fácil perceber quando há uma mulher numa obra. Ela muda o ambiente de trabalho. Tira aquela cultura que os homens têm de mexer com a mulher que passa na rua, eles pensam duas vezes antes de falar um palavrão”, descreve ela, que já atua há 8 anos no ramo.
Mesmo assim, reconhece: “cada segundo no canteiro de obras é quebrando preconceitos. A mulher pode, sim, estar naquela função e pode ser tão boa quanto o homem”. Ela conta que, uma vez, foi ao banco, solicitar um empréstimo, e, ao dizer qual é sua profissão, ninguém acreditou. “Eles ligaram para a empresa que eu trabalhava para confirmar, porque não conseguiam acreditar”, lembra, rindo.
Da obra para a maternidade
Mãe de dois filhos, Pretinha diz que o trabalho na construção é perfeitamente compatível com a tarefa de criar as crianças. Afinal, essa tarefa também cabe aos pais, que sempre povoaram os canteiros de obra.
Seu segundo filho, hoje com quatro anos, ela teve, inclusive, durante uma obra. Pretinha trabalhou até a hora de ir para a maternidade. “Saí do canteiro de obras para o hospital e o médico disse que eu não ia voltar, porque o bebê já ia nascer”, narra, defendendo ter sido a sua melhor gravidez.
Do Portal vermelho
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