sábado, 22 de maio de 2010

As razões do mal

A procuradora Vera Lúcia, acusada de torturar a menina que pretendia
adotar, tenta justificar sua crueldade culpando a criança. Uma testemunha
afirma que ela também batia na mãe. Como uma bruxa má, não
demonstra nenhum arrependimento e sua lógica é a da desrazão


Ronaldo Soares e Roberta de Abreu Lima
Alessandro Buzas/Futura Press
A PROCURADORA VERA LÚCIA
admitiu ter chamado T.E. de "cachorra": "Ela estava se recusando a comer e ainda por cima sujava a roupa toda de leite. Perdi a paciência" 
Os contos de fadas, cujos heróis enfrentam bruxas malvadas e lobos maus, inevitavelmente acabam bem. São uma forma de as crianças encararem e exorcizarem seus medos e angústias, dizem os psicanalistas. Mas, só no Brasil, há milhares de meninos e meninas que descobrem, desde muito cedo, que bruxas malvadas e lobos maus podem existir de verdade - e, pior, habitar a casa onde eles moram. A procuradora aposentada Vera Lúcia de Sant’Anna Gomes, de 66 anos, é uma dessas bruxas malvadas de carne e osso. Presa de número 323 010 do Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, ela se entregou à polícia depois de passar oito dias foragida, acusada de torturar com frieza e fúria uma menina de 2 anos que estava sob sua guarda. Na semana passada, Vera Lúcia falou a VEJA. Estava vestida com o uniforme das presidiárias - blusa branca de malha, calça azul e chinelos de dedo -, tinha o cabelo pintado de loiro em desalinho e as unhas cor de vinho. Com os olhos fixos e a voz exaltada, ela negou a série de maus-tratos de que é acusada de infligir a T.E., a menina que estava prestes a adotar - mas assumiu sem nenhum fio de remorso a humilhação a que submeteu a criança. "Chamei a garota de cachorra mesmo", afirmou. E acrescentou: "Mas chamar alguém de cachorro não é ofensa. Os cães são mais amigos e leais do que muito ser humano por aí". Durante os 29 dias em que a pequena T.E. ficou sob os seus cuidados provisórios (os papéis para formalizar a adoção estavam correndo na Justiça), a procuradora a manteve trancafiada em um quarto. T.E., afirmam testemunhas, era alvo de xingamentos constantes e recebeu tantas surras que mal conseguia abrir os olhos, de tão inchados. Foi nesse estado que representantes do conselho tutelar a encontraram quando foram à casa de Vera Lúcia, movidos por uma denúncia anônima. T.E. passou três dias no hospital para tratar dos ferimentos. Hoje, de volta ao abrigo de menores onde vivia, ela pouco come e quase não fala. Quando um estranho chega perto, assusta-se e foge.
Marcelo Piu/Ag. O Globo
BRUTALIZADA
Quase sem conseguir fechar os olhos inchados pelas agressões, a menina T.E. é transportada para o abrigo onde estava antes de ser levada por Vera

O que faz alguém ser capaz de cometer tamanha brutalidade? E, sobretudo, o que faz alguém capaz de tal brutalidade querer adotar uma criança? A monstruosidade da procuradora é identificada por especialistas como típica dos psicopatas. Eles são capazes de entender intelectualmente a diferença entre o bem e o mal, mas não demonstram ter aquelas emoções que estão na base do senso moral das pessoas - como ilustra o caso de Vera Lúcia. "Ela não se compadece da dor alheia, não dá sinais de arrependimento e parecia ter prazer em subjugar a menina", afirma o psiquiatra Joel Birman. Vários episódios na biografia da procuradora revelam essa agressividade. Uma amiga da família de Vera Lúcia contou que, certa vez, recebeu a visita da mãe da procuradora, Maria de Lourdes, que viveu com a filha até morrer, em 2004. Segundo essa amiga, Maria de Lourdes confidenciou-lhe que, quando se enfurecia, Vera Lúcia lhe dava "uns tapas". "Fiquei em choque", disse a mulher a VEJA. Em delegacias do Rio, há registro de quinze boletins de ocorrência envolvendo a procuradora. Um dos casos ocorreu em 2008, ano em que ela estava às voltas com outro processo de adoção. Durante uma das visitas ao bebê, soube que a mãe havia desistido de entregá-lo (quatro anos antes, sua primeira tentativa de adoção tivera o mesmo desfecho). Raivosa, arrancou do recém-nascido as roupas que havia comprado. Não satisfeita, fez denúncia caluniosa contra a mulher, a quem acusava de querer vender a criança. A delegada que colheu seu depoimento, Maria Aparecida Mallet, lembra: "Ela agia de forma prepotente e tentava me intimidar: ‘Sabe que eu sou procuradora do estado?’".


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