Nasceu o filho da brasileira mais famosa em todo o mundo e em todos os tempos, afinal, nunca na história deste país houve mulher tão globalizada. Na última quarta-feira, notinhas curtas em sites anunciavam de forma lacônica que Gisele Bündchen havia parido um bebê do sexo masculino. E ponto. E pronto. Nada sobre detalhes, nenhuma imagem, nenhum texto meloso de parentes, nenhuma carta aberta de puxa saco, nenhuma imagem de visita famosa acenando da janela do hospital, em Boston (EUA). E olha que no departamento paparazzi os americanos estão anos luz à frente dos brasileiros. O diagnóstico é óbvio: perto da trajetória midiática dos filhos do axé (leia-se o filho de Cláudia Leite, o filho de Ivete Sangalo e a neta de Daniela Mercury), o nascimento do filho de Gisele, que antes de nascer nem o sexo ninguém sabia (nem mesmo a mãe), que no dia em que nasceu nem nome tinha, passou em brancas nuvens.
Certamente não se pode dizer que nesse filete de discrição da mãe de primeira viagem mais cobiçada do mundo por tablóides, sites e paparazzi não haja um dedinho da própria Gisele. Fale-se tudo da modelo gaúcha, mas ninguém nunca a viu escornada numa banheira na capa da revista Caras ou enfiada num ofurô de leite de cabra numa ilha tropical ou num castelo alugado numa roça européia. Já na província, mesmo que os paparazzi inexistam para fotografar as celebrities tomando sorvete na Ribeira, o babado midiático em torno de suas crias é fortíssimo. Como exemplo textual, visual e pontual do quanto as referências aos filhos do axé são onipresentes na mídia, basta adotar como amostra o último domingo televisivo.
PAT - Depois do Fantástico mostrar a via crucis de Ivete por deixar o rebento primogênito em casa para voltar aos trios elétricos, com direito a troca de figurinhas entre comadres, com a cantora referindo-se a Patrícia Poeta todo o tempo como ‘Pat’, enquanto esta lembrava-lhe o quanto já havia lhe dado boas vindas ao feliz clube das ‘mães de meninos’, foi a vez da TV local entrar em cena. O Bahia Revista atacou no novíssimo gênero jornalístico, o diário dos infantes do axé, em dose dupla. Nascida em fevereiro do ano passado, Clarice, a primeira neta de Daniela, não teve, do dia em que nasceu até hoje, o sossego que os bebês merecem.
Quando a filha de Carla Perez e Xandy nasceu, Camilly Victória, os pais acharam pouco oferecê-la em batismo a padrinhos televisivos no quilate de Xuxa e Gugu e cada mês celebravam o mensário da menina. Aniversário, essa coisa demorada que só acontece uma vez por ano, é coisa de anônimos desimportantes, que fique claro. Justificando a teoria da evolução, o mundo das celebridades evolui em progressão geométrica, de modo que a TV Bahia ressignificou a idéia de mensário, dando de presente aos pais de Clarice e à própria uma equipe de TV para acompanhar, e exibir a cada primeiro domingo de cada mês, todas as primeiras vezes da menina. Sim, desde a saída do útero da mãe, a primeira fraldinha suja e tudo o que a imaginação de um leitor perspicaz for capaz de comportar.
TRUMAN BAIANO - No último domingo, lá estava Clarice no BBB/Bahia1 (Big Baby Baiano) outra vez. Não sem antes Wanda Chase (a maior autoridade em Axé Music de toda a imprensa brasileira, sobretudo dos bastidores do segmento) e sua câmera ingressarem no avião particular de Ivete para mostrá-la de bóbis no cabelo e todo o tempo acariciando peças do enxoval e do vestuário do filho, com a voz embargada por conta da primeira separação para voltar ao batente no carnaval fora de época de Natal (RN).
Dona de uma edição toda sua do Bahia Revista por mês, a cada primeiro domingo mensal lá está Clarice filmada, enquadrada, narrada e interpretada em todo e qualquer mínimo detalhe de seu desenvolvimento físico, etário, psicomotor, cognitivo e outros aspectos conceituais desses que as babás têm que aprender durante o expediente para tratar de esquecer assim que voltam para suas casas de verdade e tem que dar conta de seus próprios filhos. Verdade seja dita: seja por bom senso ou por qualquer outro motivo, Daniela nunca deu as caras no quadro Diário do Bebê, diferentemente da família dos avós maternos da menina.
Clarice está para a TV local como uma espécie de Truman Show baiano. Assim como o personagem do filme de Peter Weir, Clarice também (ainda) não sabe que já veio ao mundo capturada pelas lentes da TV. Enquanto isso, a massa aguarda a fantástica tia Pat anunciar num domingo desses a primeira aparição retumbante do príncipe Sangalo.
*Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
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