domingo, 8 de maio de 2011

A DANÇA DA MORTE

Por Malu Fontes

Para quem se acostumou, na ultima década, a ouvir relatos associando Osama Bin Laden a montanhas longínquas e inabitáveis do Paquistão e a cavernas do Afeganistão, o desfecho da caçada foi meio anticlímax. Para além da execução em si do homem apontado como o arquiteto dos atentados de 11 de setembro (2011), um marco histórico que redefiniu os modos de se estar no mundo, o aspecto da cobertura telejornalística que mais chamou atenção, pelo inusitado do fato, foram as imagens da população dos Estados Unidos, de norte a sul do país, e sobretudo em Nova York e em Washington, dançando nas ruas, cantando, comemorando vestida e pintada com as cores da bandeira, a morte de Bin Laden. Há de se convir que não é coisa muito normal assistir na TV, e não sob a forma de ficção, mas de realidade, uma festa cívica no país mais poderoso do mundo para celebrar o assassinato de um único homem. Parecia a comemoração de uma vitória bélica sobre uma outra nação e não sobre um único indivíduo. 

O DIABO DO MUNDO - E agora que o diabo dos Estados Unidos morreu e, pelo que se anunciou, virou lanche de peixe no Mar da Arábia, quem será colocado em seu lugar? Sim, pois se tem coisa que os Estados Unidos precisam, sempre, é ter algo ou alguém para fazer o papel do diabo do mundo. Esse lugar já foi de Fidel, dos vietcongues e, principalmente, da União Soviética, durante toda a GuerraFria. Sim, o espantalho de Muammar Kadafi ainda resiste na Líbia, mas assim como Obama tem agora um cadáver de diabo para chamar de seu e caminhar sobre a debilidade de Sarah Palin e Donald Trump nas próximas eleições, o presidente francês Nicolas Sarkosy também quer o seu para ficar bem nas urnas e já deixou as coisas claras quanto a Kadafi: esse cadáver é seu e ninguém tasca. Matar Kadafi é, hoje, para o Sarkosy político, tão ou mais importante que, para o Sarkosy homem, a confirmação das especulações da gravidez de sua Carla Bruni.
Embora logo após o anúncio da morte de Osama Bin Laden, Barack Obama tenha anunciado que o mundo agora é um lugar mais seguro, sabe-se que a equação da paz internacional não é tão simples assim. Os Estados Unidos tanto sabem que o terrorismo e suas organizações devem continuar sendo temidas que, durante toda a semana, as principais cidades e os pontos estratégicos do país tiveram seus alertas de segurança elevados para o grau máximo. Nesse contexto, a festa cívica nas ruas para comemorar a morte de Osama pode ter, e já teve, efeitos miraculosos nos índices de aprovação popular de Obama e, consequentemente, nos índices eleitorais. Mas pode também ser uma forma de atrair ainda mais a ira ilimitada das organizações terroristas que nunca negaram ter como profissão de fé varrer do mundo o que chamam de imperialismo americano.
MALUF - Em tempos em que a guerra entre países tende a dar lugar a guerras de gente, movidas pela intolerância, pelo fundamentalismo e pelo radicalismo cego, celebrar, cantar e dançar a morte de um terrorista pode não ser a melhor forma de reação. Por mais que o defunto representasse até domingo o diabo vivo do mundo, comemorar morte e assassinato não deixa de ter um quê de medievalismo. E, assim como para os ditos civilizados a versão corrente do medievalismo é uma loura com chapéu de cowboy dançando e gritando, enrolada numa bandeira na Times Square aos gritos de "iúéssêi" (USA), para os fundamentalistas, o medieval customizado é um avião cheio de gente e combustível explodindo edifícios e seres humanos em nome de causas cegas. Diante dessa alegria e festa toda para comemorar a morte de Osama, se Paulo Maluf fosse americano certamente diria algo do tipo: mata, mas não comemora. Mesmo porque, pode ser cedo.
Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 08 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA. maluzes@gmail.com

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