domingo, 7 de dezembro de 2008

Dossiê retrata realidade do aborto na Bahia

"Eu tava na ante-sala de fazer a curetagem, botavam ali como se fosse um castigo, eu achava que fosse um castigo. E fiquei o dia inteiro, dia inteiro, dia das mães. Veio o médico, fez o toque, não falou nada, nada, e fiquei lá, com a roupinha do hospital. E vinham os estagiários, levantavam a roupa e enfiavam o dedo, sem dizer nada, vinha um, vinha outro, me sentia uma coisa...".

O depoimento acima faz parte do dossiê "A Realidade do Aborto Inseguro na Bahia: a Ilegalidade da Prática e os seus Efeitos na Saúde das Mulheres em Salvador e Feira de Santana", divulgado (5/12/08) em Salvador. Organizado pelo Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (IMAIS), o documento traz, além de depoimentos de mulheres que realizaram aborto, números do aborto inseguro na Bahia.

"O problema ocorre em todo o Brasil, mas, em Salvador, o aborto inseguro é a primeira causa de morte entre as mulheres. O dossiê tem como objetivo dar visibilidade a essa situação para que a legislação seja modificada", afirma Lena Souza, membro da Rede Feminista de Saúde - Regional Bahia e do IMAIS. Na capital baiana, a cada cem internações por parto, 25 ocorrem em decorrência do aborto, número bem acima da proporção nacional que é de 15 para 100.

ÍNDICE DE MORTALIDADE MATERNA CINCO VEZES MAIOR QUE MÍNIMO ACEITÁVEL PELA OMS

Os dados do dossiê revelam que Salvador possui um índice de mortalidade materna cinco vezes maior do que o mínimo definido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS). "A legislação não impede as mulheres de fazer o aborto. No entanto, ela é altamente eficaz para colocá-las em situação de risco. Com o dossiê, queremos mostrar, por meio de evidências científicas, que o aborto é um problema de saúde pública e de violação de direitos humanos", afirma a secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, Télia Negrão.

De acordo com o estudo, a curetagem pós-aborto aparece como o segundo procedimento mais freqüente na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2007, foram realizadas 8.387 curetagens em Salvador. "Nenhuma morte evitável é aceitável. Estudos mostram que só há 1% de risco de morte quando aborto é feito de maneira segura. É preciso acabar com o mito de que a mortalidade materna no Brasil é baixa", ressalta Télia.

DOCUMENTO PRETENDE SUBSIDIAR PARLAMENTARES VISANDO A MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O documento também pretende dar subsídios para o trabalho de parlamentares na implementação de políticas públicas e para a mudança da legislação brasileira que está entre as mais restritivas do mundo. Segundo o artigo 128 do Código Penal, que data de 1940, o aborto só não é passível de punição se for a única maneira de garantir a vida da mulher e se for realizado para interromper gravidez por estupro.

Em todo o Brasil, foram registradas aproximadamente 220 mil internações por causa de aborto inseguro nas unidades do SUS durante o ano de 2007. O Ministério da Saúde estima que cerca de 1,4 milhão de mulheres realizem aborto no país a cada ano. Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador revelam que, em 2006, a gravidez, o parto e o puerpério foram as causas mais freqüentes de internação hospitalar na cidade, correspondendo a 44% de todas as internações no SUS. Destas internações, 22% referem-se a gestações que terminaram em aborto.

Até julho de 2008, 69% dos procedimentos de curetagens na maternidade Tsyla Balbino foram realizados em adolescentes e mulheres jovens, na faixa etária de 14 a 29 anos. Na Maternidade do Instituto de Perinatologia da Bahia, os dados de 2006 e 2007, referentes a internações por curetagens, desagregados por faixa etária, revelam uma concentração de procedimentos nas faixas de 20 a 29 anos de 56,2% e 52,1%, respectivamente.

do Bahia de Fato

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