domingo, 1 de maio de 2011

O SENADOR E O BÚLINGUE

Por Malu Fontes


Demorou, mas finalmente apareceu um senador com óleo de peroba o suficiente para dizer diante das câmeras de TV que os nobres parlamentares não suportam mais os sofrimentos que lhes são impingidos pela imprensa brasileira. Textualmente, e com pronúncia adaptada ao accent da boa Língua Portuguesa, não se sabe se por inabilidade verbal ou para agradar os puristas da Língua que vivem esperneando com o uso de termos em inglês na linguagem cotidiana e lhes surrupiar uns votinhos, o senador Roberto Requião, do Paraná, queixou-se na TV de que não aguenta mais o ‘búlingue’ (sic) que ele e seus colegas de vida política sofrem por parte da imprensa.  

No início da semana, o senador, ao ser questionado por um repórter sobre as razões pelas quais, em nome da necessidade de redução dos gastos públicos no país, não abre mão da pensão vitalícia de R$ 24 mil que recebe por ter sido governador do Paraná, teve um ataque de fúria: perguntou ao jornalista se este estava pensando em apanhar, arrancou o gravador de suas mãos e levou para seu gabinete. Só o devolveu após apagar a gravação do chip.

Numa estratégia meio enviesada de se fazer um novo jornalismo à moda do Senado, Requião postou todo o conteúdo da entrevista em seu site, fato que usou como argumento a seu favor. Disse que só tomou o gravador e apagou o conteúdo antes de devolver porque não confia nas versões da imprensa sobre suas falas e não queria que suas declarações fossem editadas e adulteradas. Contumaz em indelicadezas, Requião argumentou no dia seguinte que agiu assim porque perdeu a paciência com o bullying que sofre de uma imprensa que faz perguntas encomendadas: “Temos que acabar com o abuso, o búllingue (sic) que sofremos, não só eu, mas meus colegas e a sociedade brasileira, nas mãos de uma imprensa provocadora e irresponsável”. Isso não foi dito por um ator em um programa de humor, mas por um senador da República, com veiculação na edição de terça-feira do Jornal Nacional. 

PALHAÇO – Diante das proporções que a repercussão do caso ganhou, com o jornalista dando queixa na Polícia Federal, o presidente do Senado, José Sarney, exerceu com talento o seu papel de Pilatos ao dizer que não vira nada demais no comportamento do colega. “Isso não deveria ter acontecido, mas é um caso isolado. Temperamento, cada um tem o seu”. Ah tá. Como dizem os cariocas: senta, Cláudia. Ainda sobre o ato de arrancar o gravador do repórter, Requião filosofou, lacônico: “Há momentos em que a indignação é uma virtude”. Para quem não sabe, Requião preside a Comissão de Educação do Senado. E o povo cheio de atitude das redes sociais acha escandaloso mesmo é o fato de o palhaço Tiririca integrar, como reles membro ordinário, sem poderes, a comissão equivalente na Câmara dos Deputados.   

A cereja desse bolo é a desfaçatez com que um senador, que vive de salário público, tem contas a prestar ao cidadão brasileiro que o remunera (e bem, e duplamente, como parlamentar e como ex-governador) dá-se ao cinismo de declarar de forma arrogante que não confia na imprensa para transformar suas declarações em informação e que, por isso, decidiu arrancar a força um gravador de um repórter e veicular, ele mesmo, a entrevista bruta. O caso deixa escancaradas, por baixo, duas janelas interpretativas. A primeira é que boa parte do Congresso Nacional, embora seja eleita pelo voto popular e viva falando das maravilhas da democracia, na verdade não passa de um conjunto de viúvas da ditadura, que dariam a mãe para proibir a imprensa de dizer um A que não fosse favorável a seus egos deformados e autoritários. 

SUL DO CORPO – A segunda janela, o outro aspecto que veio à tona no episódio Requião, é a velocidade avassaladora com que o conceito de bullying vem sendo banalizado e vulgarizado. Todos os comportamentos torpes, violentos e autoritários, das tragédias a pequenos crimes e agora as reações desequilibradas de políticos passam a ser atribuídos a meras reações ao bullying. O fato de tudo ser considerado consequência de buylling representa o risco de, dentro de pouco tempo, desgastar tanto o fenômeno a ponto de ele não mais ser levado a sério nos casos em que, de fato, promove violência e interfere na vida e na saúde psíquica de quem dele é vítima real. Se um senador autoritário e já dado antes a espasmos de agressividade verbal e física acha-se no direito de se considerar vítima da imprensa, o que dizer da sociedade brasileira dos seus representantes políticos, que lhes impingem toda a sorte de desrespeito e continuam a usufruir de todas as benesses que o poder mal exercido pode proporcionar? 

Nas bandas de cá, nos domínios internos da terra da felicidade, a Bahia de Todos Nós, o fato midiático de maior relevância durante a semana foi a negociação entre o governador do estado, Jaques Wagner, e uma empresa de lâminas de barbear, interessada em arrancar-lhe a barba em uma estratégia de marketing que já depilou o líder do Chiclete com Banana, Bell Marques, no Carnaval deste ano. A ideia brilhante foi do reunidor de ricos em complexos hoteleiros de luxo para cuidar da pobreza órfã, João Dória Júnior, o mauricinho oficial do bom mocismo entre as celebridades brasileiras.  

A cotação da barba do governador baiano, diz-se que cultivada há 30 anos, foi muito mais baixa que a do cantante do axé, cujo cachê foi especulado em torno de um milhão e meio, ao passo que Wagner receberá 500 mil para serem investidos, anuncia-se, pelo Instituto Ayrton Sena em projetos sociais na Bahia. As criancinhas pobres devem ser instadas a agradecer, mas os adultos de bom senso sabem que não era preciso se chegar a tanto para arrecadar essa quantia não fosse o efeito midiático que factóides desse tipo têm hoje. Se a moda pega, as moças do poder e da fama, da Bahia e alhures, logo logo terão suas tabelas de preço anunciadas para extirpar os pelos ao sul do corpo.


Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Texto publicado originalmente em 01 de maio de 2011, no jornal A Tarde, Salvador/BA.

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