sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Desafios que confrontam a presidente Dilma Rousseff

Por Leonardo Boff

Celebramos a vitória de Dilma Rousseff.

Post festum, cabe uma reflexão distanciada do que poderá ser seu governo. Esposamos a tese daqueles analistas que viram no governo Lula uma transição de paradigma: de um Estado privatizante, inspirado nos dogmas neoliberais, para um Estado republicano, que colocou o social no centro para atender às demandas da população mais destituída. Toda transição possui um lado de continuidade e outro de ruptura.

A continuidade foi a manutenção do projeto macroeconômico para fornecer a base para a estabilidade política e exorcizar os fantasmas do sistema. E a ruptura foi a inauguração de substantivas políticas sociais destinadas à integração de milhões de brasileiros pobres.

Não se pode negar que, em parte, essa transição ocorreu, pois, efetivamente, Lula incluiu socialmente uma França inteira dentro de uma situação de decência. Mas, desde o começo, analistas apontavam a inadequação entre o projeto econômico e o projeto social. Enquanto aquele recebe do Estado alguns bilhões de reais por ano, em forma de juros, o social tem que se contentar com bem menos.

Não obstante essa disparidade, o fosso entre ricos e pobres diminuiu, o que granjeou para Lula extraordinária aceitação.

Agora se coloca a questão: a presidente aprofundará a transição, deslocando o acento em favor do social, onde estão as maiorias, ou manterá a equação que preserva o econômico, de viés monetarista, com as contradições denunciadas pelos movimentos sociais e pelo melhor da intelligentzia brasileira?

Estimo que Dilma deu sinais de que vai se vergar para o social-popular. Mas alguns problemas novos, como aquecimento global, devem ser enfrentados. A presidente compreendeu a relevância da agenda ambiental, introduzida pela candidata Marina Silva. O PAC deve incorporar a nova consciência de que não seria responsável continuar obras desconsiderando esses novos dados.

Anuncia-se nova crise econômica, pois os Estados Unidos resolveram exportar a sua, desvalorizando o dólar e nos prejudicando sensivelmente.
Dilma Rousseff marcará seu governo com identidade própria se realizar mais fortemente a agenda que elegeu Lula: a ética e as reformas estruturais. A ética somente será resgatada se houver total transparência nas práticas políticas, com a não repetição da mercantilização das relações partidárias (mensalão).

As reformas estruturais são a dívida que o governo Lula deixou. Não teve condições, por falta de base parlamentar segura, de fazer nenhuma reforma prometida. Se quiser resgatar o perfil originário do PT, Dilma deverá implementar uma reforma política. Será difícil, devido aos interesses corporativos dos partidos.

A reforma fiscal deve estabelecer uma equidade mínima entre os contribuintes, pois até agora poupava os ricos. A reforma agrária não é satisfeita apenas com assentamentos. Deve ser integral e popular, levando a democracia ao campo e aliviando a favelização das cidades.

O mais importante é o salto de consciência que a presidente deve dar, caso tomar a sério as consequências funestas e até letais da situação da Terra. O Brasil será peça-chave na adaptação e no mitigamento da crise, pelo fato de deter os principais fatores ecológicos que podem equilibrar o sistema. Poderá ser a primeira potência mundial nos trópicos corresponsável pelo destino comum. Um desafio da maior gravidade, que a novel presidente irá enfrentar.

Ela possui competência e coragem para estar à altura desses reptos.

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