sábado, 10 de abril de 2010

Algumas observações sobre bolsa-família

Por Cynthia Semiramis

Uma das coisas que me irritam muito é ver gente criticando o bolsa-família enquanto demonstra que não sabe nem do que se trata, como a nova primeira dama de São Paulo fez. Pior, desconhecem tanto a pobreza do país que passam a supor que a vida classe média que têm é igualzinha para pobres/miseráveis.

Detesto o discurso “não gosto de dar o peixe ao invés de ensinar a pescar”. O subtexto é que ensinar a pessoa a trabalhar é mais importante do que mantê-la nutrida e saudável, preparada para aprender qualquer outra atividade. No entanto, quem defende essa lógica são as mesmas pessoas que NÃO ensinam a pescar: querem funcionários de confiança e com experiência, mas não dão oportunidades para primeiro emprego, desrespeitam a legislação trabalhista, contratam gente que mora perto pra economizar na passagem de ônibus (fazem ideia do problema disso para quem mora em cidade-dormitório?), fazem contratos informais e dispensam a pessoa ao fim do serviço sem receber um tostão, só aceitam pagar valores abaixo do mercado, exigem requintes de educação impossíveis (pessoa não tem nem o que comer em casa, como adivinhará a forma correta de servir à mesa?) Resumindo: ensinam, dão oportunidades? Não. Estimulam o governo a melhorar a situação dessas pessoas? Também não. E assim, pra essas pessoas, boa parte do mundo deve continuar na miséria.

Trabalhei em uma região de grande vulnerabilidade social em 2005, e foi lá que aprendi a dar valor ao bolsa-família. Pra começar, a maioria das pessoas que eu atendia tinha renda zero e baixíssima escolaridade. Quando conseguiam trabalhar, eram atividades informais, ocasionais (e beeeem espaçadas), nas quais recebiam pouco (o que me dizem de um dia inteiro de faxina por DEZ reais?), isso quando recebiam. Se não fosse o bolsa-família (que na época era 15 reais por criança ao mês), não teriam nem o que comer. Como precisavam cumprir as exigências do governo, as crianças tinham registro de nascimento, estavam vacinadas e iam à escola. Sim, sei dos problemas da escola pública, mas é bem melhor que ficar à toa na rua ou em casa, e ainda tem a questão da merenda, que garante um mínimo de nutrição a quem tem – quando tem – apenas farinha e água em casa.

Voltei à região recentemente, e fiquei bastante impressionada com o que vi. Não é o melhor dos mundos, mas a situação melhorou bastante. As crianças cresceram, continuam na escola, e agora são atendidas por programas sociais específicos (a maioria deles recebe verba do governo federal), com atenção para a cultura, encaminhamento a cursos profissionalizantes e parcerias para geração de emprego e renda. Jovens já trabalham e sustentam a família, há até quem está na faculdade pelo Prouni (e infelizmente sofre bullying devido à sua história de vida). Há um clima de esperança, de melhoria de vida, e não mais de desespero e fome. É muito bom ver esse progresso. E é nessas horas que entendo que uma política que parece “assistencialista” é na verdade uma política pública de redução da miséria e estímulo da economia que permite o desenvolvimento social.

Claro que já vi e ouvi gente dizendo que vai ter filhos porque o bolsa-família ajuda a criar. Curiosamente, todo mundo que me falou isso era classe média (ou seja, tem renda muito mais alta que o exigida pro bolsa-família) e era homem (em nossa sociedade, trata-se de alguém tradicionalmente mais interessado em se reproduzir do que cuidar dos filhos ou planejar orçamento). Basta ver os valores e requisitos para o bolsa família pra perceber que mesmo a bolsa-família é pouco pra criar um filho. E se a pessoa não entende que esses valores são pouco para se ter uma vida digna, atenção: trata-se de alguém que não tem a menor noção de custo de vida e, portanto, não é confiável pra falar sobre esse assunto.

Bom, o que eu posso concluir é que, se não fosse o bolsa-família, as pessoas que o recebem estariam em situação bem pior, com crianças desnutridas, fora da escola e sem perspectiva de futuro, inclusive profissional. As cidades onde não há bolsa-família teriam de arrumar outras formas e verbas para fixar a população, incentivar a economia e melhorar os serviços básicos. A miséria estaria aumentando, e não diminuindo, como tem acontecido nos últimos tempos. Pode não parecer um sucesso para a oposição ao governo federal e para quem tem alimentação, saúde, trabalho e transporte minimamente decentes, mas tenho certeza que é um sucesso para quem oito anos atrás vivia em situação degradante e hoje já tem perspectiva de futuro.

Um comentário:

Thais Campos disse...

excelente artigo, O bolsa familia só é ruim para os riquinhos, os classe alta que se incomodam com os pobres estarem crescendo